O ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

O ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

MÉDIUM JOÃO (QUE NÃO É DE DEUS) E O ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

As notícias dos abusos sexuais praticados pelo médium de Abadiânia são de conhecimento geral dispensando apresentações. A barbaridade da violência física e psicológica cometida por aquele que se dizia um líder espiritual não foi, todavia, praticada apenas por ele [1].

Os fatos sugerem uma possível conivência de colaboradores da casa de atendimento de Abadiânia e de outros da comunidade local, que dependentes do turismo religioso trocaram a solidariedade e a ética pelo silêncio e cegueira deliberada.

Essa inversão de valores nos levou a escrever este texto.

Você, leitor, pode estar se perguntando sobre o que isso tem a ver com o ambiente de trabalho. E respondemos, respeitosamente, que tem tudo a ver.

Muitos trabalhadores assistem, impassíveis, às incursões sexuais de superiores sobre determinado empregado, em regra, sobre as colegas mulheres, e, com receio de retaliações, fecham olhos e bocas na intenção de negarem a existência do fato.

De outro lado, a assediada normalmente sofre sozinha e se sente tão culpada e incrédula, que não tem forças para enfrentar a situação, quer através de algum canal de denúncia na empresa, quer através de uma ação judicial.

Há situações em que a assediada sequer percebe o assédio no primeiro momento, levando um tempo para entender os fatos. Outras, em que ela se questiona, como fez uma das vítimas do médium João de Deus, que afirmou que tinha receio de falar porque ele era muito bom para os demais fiéis que o procuravam, então, como ela poderia fazer uma acusação tão grave? Jamais acreditariam nela.

A declaração de uma das vítimas do médium de Abadiânia bem poderia ser de uma vítima de assédio sexual no trabalho:

“Eu me sentia muito culpada, chorava muito. Eu fiquei com síndrome do pânico. Nossa, eu não podia andar na rua, eu tive síndrome do pânico mesmo, muito pesado, por conta dessa situação.”

Inúmeras vezes ouvimos palavras semelhantes de clientes adoecidas, física e psicologicamente, após serem expostas a gracinhas, do tipo “você hoje está gostosa, dá uma voltinha para mim”, “me dá um beijo, um só”; obrigadas a receberem presentes, toques ou ameaças.

Em regra, a vergonha da situação impede a vítima de se manifestar até mesmo em casa para compartilhar sua dor.

Ouvimos o relato estarrecedor de uma empregada de uma empresa de telecomunicação, que o chefe era assim mesmo, que era normal que todas as empregadas fossem assediadas. Disse-nos ela: normal.

Provavelmente, era normal também na casa de atendimento Don Inácio de Loyola.

A gravidade da situação se estende ao espaço comum dos meios de transporte. Em dezembro último, a OAB – Seção de São Paulo firmou um convênio com o Tribunal de Justiça de São Paulo pela campanha “Juntos podemos parar o abuso sexual nos transportes”.

Ainda no ano passado, a Lei 13.718/18 tipificou os crimes de importunação sexual e de divulgação, sem consentimento, de foto ou vídeo com cenas de sexo, estupro, nudez ou pornografia.

Em janeiro de 2019, a ONU divulgou o resultado de uma pesquisa com a triste conclusão de que 33% dos entrevistados relataram ao menos uma situação de assédio sexual nos últimos dois anos, sendo que este número sobe para 38,7% para os que informaram sobre algum tipo de assédio sexual durante todo o tempo de atuação nas Nações Unidas.

Outra pesquisa, desta feita nacional e mais antiga, de 2015 [2], revelou que metade dos brasileiros já sofreu assédio no trabalho.

As empresas brasileiras não podem mais fechar os olhos e minimizar a situação, estimulando o silêncio dos assediados e observadores. Ao contrário, devem educar seus colaboradores para criar um ambiente de trabalho respeitoso, coibindo os abusos sexuais, inclusive através da oferta de canais internos de denúncias.

Sabemos que o assédio (moral ou sexual) não é normal. É humilhante, degradante, uma verdadeira violência contra a individualidade e dignidade do ser humano. Fazemos o convite à reflexão sobre a forma como nos comportamos no local de trabalho: somos respeitosos, somos coniventes?

[1] Ressalvo que o processo contra o médium está em fase de investigação, não houve julgamento nem condenação.

[2] https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150610_assedio_trabalho_pesquisa_rb